A obra de Mário de Andrade é atravessada por uma profunda inquietação em torno do sexo. Pulsante e permanente, essa inquietação se traduz tanto na exploração do domínio erótico, de notável amplitude, quanto na incessante busca formal que o tema lhe impõe sem descanso. Na tentativa de reconhecer a silhueta de Eros nas tantas faces que o próprio escritor se atribuiu, sua produção literária se vale dos mais diversos recursos formais para dar conta de uma dimensão que parece continuamente escapar. Daí que o sexo venha a ser alçado ao patamar das suas grandes interrogações, onde se oferece na obscura qualidade de incógnita.
Foi a partir dessas constatações que Eliane Robert Moraes concebeu a Seleta erótica de Mário de Andrade, desdobrando-as em diversas perguntas pontuais, sem perder o foco na tópica da sexualidade. Conforme a pesquisa ganhou corpo, as questões foram se organizando até resultar nas oito partes que compõem a presente Seleta, a saber: “Artes de brincar”, “O corpo da cidade”, “Coisas de sarapantar”, “Presença da dona ausente”, “Imoralidades e desmoralidades”, “Prazeres indestinados”, “Brasileirismos, safadagens e porcarias” e “Confidências e confissões: alguma correspondência”.
Fruto de uma visitação intensiva aos escritos do autor, o trabalho de seleção buscou contemplar tanto a variedade de gêneros por ele praticada quanto as diversas fases de sua obra, sem negligenciar aspectos biográficos ou editorias. Embora o volume tenha privilegiado os títulos mais representativos em termos de erotismo, com particular atenção aos textos canônicos, considerou-se pertinente apresentar exemplos da “obra imatura”, ainda pouco conhecida, além de amostras da grande massa de manuscritos ainda não publicados. A decisão editorial, contudo, foi pautada pela riqueza da erótica marioandradina, que se manifesta de forma vigorosa em todo seu conjunto.