Em Catástrofe ancestral a antropóloga Elizabeth A. Povinelli denuncia o mundo ocidental e seu projeto iluminista como responsável pelas crises que hoje colocam a existência de toda a terra em risco. A catástrofe em curso se original na catástrofe ancestral, que se inicia na colonização, que amarrou mundos num processo em que a riqueza e bem-estar de alguns se fez em detrimento da miséria e poluição de outros.
Lançando mão do trabalho de Glissant, Deleuze e Guattari, Césaire e Arendt, aliada a sua experiência de campo com povos aborígenes na Austrália, Povinelli focaliza a noção de existência para denunciar a violência colonial capitalista e sua agência destrutiva que construiu mundos a partir de cataclismas. Aqueles que se beneficiam até hoje do deslocamento global de materiais negam sua relação com a degradação à distância, negam a relação entre sua comida saudável, a água potável e o ar limpo que têm acesso com aterros tóxicos de outros lugares.
A autora denuncia ainda a perversidade do liberalismo tardio, que reage às demandas de novos movimentos sociais anticoloniais e anticapitalistas extraordinariamente poderosos, reconhecendo apenas superficialmente as bases racistas e paternalistas de suas práticas coloniais, desculpando-se ou instituindo políticas inclusivas ou de cuidados ambientais, sem, no entanto, transformar o modus operandi do sistema, que continua operante.
A saída possível para o atual estado de emergência é reconhecer o repertório de saberes e práticas dos povos subjugados que a cultura ocidental absorveu sorrateiramente através do domínio colonial, utilizando-o para seus objetivos extrativistas e expropriatórios e mantendo-o oculto sob os próprios valores.